
2025
ACONTECEU EM MACAU…
... auxílio que pede para destruir os Ladrões...
Durante muito tempo circulou a ideia de que o estabelecimento dos portugueses em Macau se deveu a uma dádiva do Império da China em troca do auxílio prestado no combate à pirataria, que circulava pelos mares do sul. Uma lenda que se fez história ou uma história que se fez lenda?
Do século XVI ao século XX, foram frequentes os contactos entre as autoridades chinesas e portuguesas para juntar esforços e alimpar o Mar dos Ladrões. As atas do Leal Senado de Macau dizem-nos que, em fevereiro de 1792, chegou mais um pedido dos mandarins de Cantão. O Procurador, com a chapa mandarínica na sua posse, junto dos homens-bons da Cidade, apresentou o pedido, apelou à mobilização e ofereceu os seus bons auxílios monetários. Eram solicitadas duas embarcações para ajudar o Império e este não era o momento para escusas ou hesitações.
Em troca do auxílio estava a promessa de restituição de antigos privilégios que, entretanto, tinham sido esquecidos. Viviam-se tempos difíceis em Macau. Já se havia esgotado a prata que antes brotava do Japão. À medida que a riqueza minguava, definhava também a sua autonomia. E, este novo pedido era uma oportunidade para a restituição, e concessão de Privilégios que nos eram concedidos pelos Imperadores passados.
Mais uma vez, tal como já havia acontecido antes e viria a acontecer depois, Macau preparava-se para sair em socorro do vasto Império. A história continuava a alimentar a lenda. Com a “ajuda” de piratas e ladrões, Macau tentava recuperar velhos privilégios e, quiçá, novas benesses, que garantissem a continuidade da presença portuguesa naquela breve terra. Por isso, os homens-bons da Cidade, tal como expressou o seu Governador, reafirmaram que para o serviço do Imperador sempre nos achará prontos.
Alianças entre impérios, celebradas pelas graças das vis ações dos piratas que teimaram, ao longo dos séculos, em vaguear e saquear os mares do sul da China.
In Fundação Jorge Álvares, Newsletter, fevereiro. 2025
https://jorgealvares.com/loapsoob/2025/02/FJA-Newsletter.pdf
… a fim de evitar futuras complicações...
Em Macau, Patane é um lugar quase mítico, que se confunde com a origem da fixação dos portugueses no litoral do sul da China.
Antes de se conquistarem terras ao rio, Patane conhecia o quotidiano de gente pobre, ligada à vida do Porto Interior e a diferentes ofícios. Entre eles, contavam-se os pedreiros, sempre atarefados em dar forma aos materiais que permitiam erguer novas construções. A Rua da Pedra, no prolongamento da Rua de Patane, testemunhou este ofício, que o tempo foi dissipando.
Os aterros, que ampliaram o lugar de Patane, ofereceram à Rua da Pedra novos proprietários e outras fontes de riqueza. Chiang-t’in-uai e Chiang-t’in-ion compraram os prédios 34 a 38 e, na rua que antes só conhecia o moldar da pedra, instalou-se a tinturaria Chiang-lai-vá. Nem no cruzamento com a Rua da Harmonia se acreditava que, na Rua da Pedra, estavam garantidas a paz e a serenidade.
As riquezas não evitam a morte e Chiang-t’in-uai, ao falecer, dispersou os seus bens por seis herdeiros, entre filhos e netos. Partilhas feitas por igual, para diferentes desejos e necessidades, Chiang-i-ch’io e Chiang-kam-veng optaram por vender os seus quinhões a Chiang pan.
Palavra dada, escritura marcada – em escritório de advogado com nome português, Assunção –, mas contas por fazer. Na data marcada o dinheiro não surgiu, a transação foi cancelada e a história deste negócio conheceu o seu fim. Mas, para prevenir outras histórias e a fim de evitar futuras complicações com origem numa compra apenas prometida, aqueles dois potenciais vendedores fizeram saber, no Boletim Oficial, para conhecimento de todos, que a venda prevista não se tinha realizado.
Estranhamente, ou talvez não, o Boletim Oficial de Macau de 3 de janeiro de 1925 ocupou as suas páginas a anunciar algo que não aconteceu, para garantir que nada viria a acontecer, não fosse a cobiça tecê-las!
In Fundação Jorge Álvares, Newsletter, janeiro. 2025
https://jorgealvares.com/loapsoob/2025/01/FJA-Newsletter_compressed.pdf